“O aroma das sementes de alfazema queimando no braseiro de ágata subiu na fumaça, invadiu a casa e anunciou o meu nascimento”.
Os primeiros anos da infância, de 1962 a 1969, passei na minha aldeia Tapuia Paiacu, na casa grande do sítio Santa Rosa, município de Apodi. Em um ambiente bucólico, convivi intensamente com a natureza, despertando com o canto dos pássaros ao alvorecer, tomando leite quentinho do peito da vaca, sentindo o cheiro das flores, do mato, da terra, tomando banho de chuva, dando cangapé na lagoa, açudes, córregos e rios. Sob os cuidados dos meus pais, Valdemiro e Mozinha e dos irmãos que me antecederam: Neta, Rita, Gilvan, Socorro, Dilma e Vilma, aprendi a brincar de roda, soltar pipa, fazer bonecas de pano e brinquedos de lata de óleo, caixa de fósforo, catembas de côco e osso de boi. Depois aprendi também a cuidar da casa e dos meus irmãos mais novos: Antônio, Junior e Vanuza. Aprendi a rezar com minha mãe que toda noite reunia os dez filhos ao redor da sua cama e depois ia contar estrelas no céu sem nuvens do Vale do Apodi.
Cresci capturando vagalumes e cigarras, correndo, de pés descalços pelos serrotes, colhendo manga, banana, laranja e cajarana, comendo beijú na casa de farinha e queijo no sótão da casa dos meus avós maternos, Chico Tomaz e Sebastiana. Vivia tangendo cabras e bodes, pastorando o plantio de arroz com um espantalho e invadindo a olaria artesanal do meu avô paterno Pedro Quim, para fazer, com minhas frágeis mãos, a louça usada nos cozinhados das bonecas de pano com as quais brincávamos.
O tempo passava e o alpendre da minha avó paterna, Chiquinha, era uma espécie de refúgio de todos nós. Dali pulávamos o parapeito para subir no pé de cajarana, tão antigo, cuja idade nunca soube, e, para amenizar o calor, o banho era na cacimba no leito do rio seco. No fim da tarde, Vilma e eu abandonávamos nosso trabalho, na palhoça que nos guardava do sol, enquanto cuidávamos do plantio de arroz, para assistir o crepúsculo. Em silêncio, víamos a claridade mergulhar lentamente por trás das mangueiras, coqueiros, laranjeiras, bananeiras, aquilo que, ainda hoje, chamamos pomar da nossa felicidade. No caminho de volta para casa, na hora da ceia, nossos passos, eram dados na cadência do canto dos pássaros que se despediam do dia.
Aos sete anos, em janeiro de 1969, deixamos o Sítio Santa Rosa porque meu saudoso pai, Valdemiro Pedro Viana (in memoriam) fora eleito Prefeito, obrigando a mudança. Fomos então morar numa casa, por ele construída, que estava sempre cheia de correligionários, políticos, familiares e amigos. Ali em frente, minha mãe plantou um pé de castanhola para saudar os novos tempos.
Assim passei minha infância, dividida entre o Sítio Santa Rosa, rasgando meus pés no lajedo de soledade, onde aos domingos íamos brincar de se esconder naquelas pedras e nas ruas da cidade, onde pulava corda, brincava de esconde esconde, bandeirinha e de muitas brincadeiras de roda.
Nos anos oitenta, minha juventude estava contaminada pelos “Embalos de Sábado à Noite”, de John Travolta e os políticos articulavam o retorno da democracia ao país. Naquele tempo vivíamos praticando esportes e dançando nas discotecas, quando fui escolhida o mais belo rosto de Apodi. Em 1982 fui aprovada no vestibular da UFRN e passei a residir em Natal. A faculdade me proporcionou momentos maravilhosos. Muitos congressos, viagens e estágios no projeto Rondon, quando conheci o vale do São Francisco e desfrutei da cultura da localidade de Carrapicho/SE e Penedo/AL. No grande anseio de sempre conhecer mais, fui para Belo Horizonte/MG, em 1987. Na capital mineira estudei na FAFI-BH, concluindo a pós-graduação em Educação Especial. Paralelamente me dediquei a estudar Teatro, na UFMG, onde passei a conviver e beber da fonte da sabedoria dos intelectuais das artes de Minas Gerais.
Em Dezembro de 1988, fui morar em Porto Velho, Rondônia, já casada com o engenheiro civil, construtor e atual empresário ceramista, José Genival dos Santos. Durante 10 anos morei naquela região da Amazônia onde desenvolvi atividades em diversas instituições educacionais e culturais daquele Estado. Neste período viajei muito pelo interior do estado, onde conheci a cultura do homem da floresta, do indígena e do seringueiro. Fui também à Bolívia, onde me deliciei com a típica “parrillada”, acompanhada de uma cerveja “pacenha”. Foram tempos inesquecíveis e de ricas experiências nas terras do Marechal Rondon.
No entanto, a maior conquista em Rondônia, foi o nascimento de Anabele, minha filha. Um dia inesquecível, aquele 19 de Abril de 1989, sob o clima úmido e quente da floresta tropical. Apesar de distantes, aqueles momentos estão presos à minha memória: a floresta encantadora com seus ipês coloridos, os banhos nos rios, os igarapés misteriosos, a diversificação de peixes e os crepúsculos encantadores no rio Madeira. Confesso que tenho saudades desse ambiente, completamente diferente do sertão nordestino, onde nasci e me criei. Uma época de aprendizado e realizações marcantes, onde destaco a participação como integrante da equipe de elaboração do projeto para construção do Teatro do Estado.
As recordações da terra natal e o cheiro do mar são irrefreáveis e no verão de 1998, eu e minha família retornamos à terra potiguar. Natal recebeu de braços abertos e com muito amor a aldeã dos pés rachados da chapada do Apodi. Fiquei então dividida entre Natal e Apodi, onde fui administrar junto com meu esposo a cerâmica Santa Rosa de propriedade do meu pai. Em Apodi, paralelamente, colaborei como assessora da primeira dama Dra. Lourdes Bezerra.
Em Natal, acompanhei todo o desenvolvimento intelectual de minha filha Anabele, graduada em Geologia pela UFRN e passei a integrar os movimentos culturais da cidade, participando de saraus literários, lançamentos de livros, encontros, exposições, seminários, cursos, festivais, tendo colaborado, como voluntária, nos eventos promovidos pelo Memorial da Mulher, da Academia Feminina de Letras do Rio Grande do Norte e da Sociedade dos Poetas Vivos e Afins do Rio Grande do Norte – SPVA/RN.
Meus maiores prazeres são a convivência com minha família e bons amigos, ser solidária, ler, ouvir música, tomar um bom vinho e apreciar o pôr do sol e o luar. Atualmente, sinto um prazer especial em viajar pelo mundo, desvendando os mistérios de novas culturas. Dentre tantas viagens que fiz, me encantei com a Ilha de Fernando de Noronha, Ilha da Madeira, Lisboa, Madri, Paris, Londres, Irlanda, Buenos Aires, Bariloche, Lima, Santiago, Bogotá, Cartagena e suas ilhas do Caribe , a beleza do mar de Cuba, a musicalidade e a alegria de sua gente.
Neste momento, quero dividir a minha história e festejar a vida. E, como Pablo Neruda dizer: “vivi por viver, vivi”.
Enviado por Vivi Viana.