No ano de 1817, irrompeu a Revolução Republicana, liderada no Rio Grande do Norte pelo Cel. André de Albuquerque Maranhão (...). Os indígenas de Portalegre refugiaram-se nos Cariris cearenses. Na ausência dos tapuias, os moradores de Portalegre promoveram o aforamento das terras dos indígenas queimando suas palhoças.

Em 1820, chegava a Portalegre o Sargento-mor das ordenanças José Francisco Vieira Barroso líder da Revolução de 1817 naquela vila, libertado dos cárceres da Bahia. Reconhecendo as injustiças praticadas contra os índios, providenciou a libertação dos presos, concedendo terras aos que haviam sido espoliados.

No ano de 1825, os tapuias atacaram a Vila de Portalegre (...). Liderou o movimento o conhecido João do Pega, secundado por Luiza Cantofa, anciã indígena a quem o povo apontava como feiticeira. Derrotados, os tapuias foram presos e algemados. Na manhã de 03 de novembro de 1825, os ainda chamados “Índios de Apodi’’ partiram d Portalegre, seguindo escoltados para a cadeia de Natal. Comandava o contingente o alferes Reinaldo Gaudêncio de Oliveira.

Ao chegar ao pé da Serra de Portalegre, bem próximo ao Sítio Viçosa (hoje cidade do mesmo nome), determinou o alferes que dessem uma parada para descanso. Prosseguiriam a viagem no dia seguinte. Joaquim Cavalcante, que servia de guia para o grupo, determinou que os presos se agrupassem à sombra de uma imburana. Joaquim providenciou então a amarração do cabechila João do Pega no tronco da referida árvore. O alferes Reinaldo ordenou que providenciassem o preparo do jantar. Enquanto o fogo crepitava, uma ideia sinistra surgiu no meio dos condutores: o assassinato dos índios presos. Com acuidade auditiva própria da raça, João do Pega captou a conversa dos conspiradores. 

Dirigindo-se ao alferes Reinaldo, assim se expressou o tapuia: “Está ouvindo alferes? Daqui a pouco serei assassinado por aquela gente. Quero fazer-lhe um pedido, como cristão: na minha cintura está amarrado um lenço encarnado, com uma pataca presa em uma das ponta. Esse dinheiro é para mandar rezar uma missa de que sou devedor as Almas do Purgatório. Se o dinheiro não for suficiente, seu Reinaldinho promete inteirar? O alferes apesar de não dar crédito à denúncia de João do Pega, prometeu-lhe mandar celebrar a missa. Não se equivocara o velho indígena. Depois do jantar, rezou-se um terço, após o qual os presos foram mortos.

O alferes Reinaldo, por não concordar com o atentado e sendo impotente para contê-lo preferiu afastar-se do local. O alferes regressou ao local do crime, deparando-se com João do Pega estendido por terra, aparentemente morto. Reinaldo encontrou o lenço vermelho, a que se referia João do Pega, embebido de sangue. Desatando uma das pontas, encontro a pataca (320 réis) destinada a celebração de uma missa pelas Almas do Purgatório.

Alta noite, o cabecilha João do Pega, tendo recobrado os sentidos, levantou-se e olhou ao redor de si. Contemplou os cadáveres dos seus companheiros, molhados pela água da chuva. Os ferimentos não tinham sido graves, e ele escapara com vida. Com certa dificuldade, conseguiu-se livrar-se das cordas que o prendiam a imburana. Finalmente livre, correu em direção à Serra dos Dormentes (a mesma Serra do Regente ou de Santana) para se esconder nas grutas. No dia seguinte foi providenciado o sepultamento dos mortos, mas não foi percebido o desaparecimento de João do Pega. 

Já decorrido mais de um ano, alguns caçadores descobriram João do Pega, na Serra dos Dormentes (Serra de Portalegre). A notícia logo se espalhou na região. Posteriormente João do Pega foi perdoado pelo governo, o que ensejou seu regresso ao Sítio do Pega, voltando a morar em sua palhoça. Conta a tradição que achando João do Pega doente, perguntaram-lhe a sua idade. O velho indígena respondeu: ‘A minha idade está naquela bruaca’. Ao falecer João do Pega, encontraram no interior da referida bruaca 75 castanhas de caju, que indicavam os anos por ele vividos.

Quanto à velha Luiza Cantofa, gravou a tradição popular os seus últimos dias de existência. A exemplo de João do Pega, foi ela instigadora da revolta dos indígenas, por ocasião do ataque à Vila de Portalegre, em 1825. Presos diversos tapuias, inclusive João do Pega, a velha indígena Luiza Cantofa refugiou-se em companhia de sua neta Jandi, nas grutas da Serra de Portalegre. Outros indígenas mais afortunados haviam fugido para os cariris cearenses. 

Para sobreviverem, Jandi tirava alimentos nas roças e colhia cajus nos sítios da região. Certo dia foi reconhecida pelo proprietário de um sítio, que, juntamente com outras pessoas seguiu Jandi até o seu esconderijo. Descoberto o lugar, indivíduos armados encontraram Luíza Cantofa a dormir debaixo de um frondoso cajueiro. Despertada para morrer, a velha tapuia abriu um pequeno oratório, de joelhos aos pés da imagem do Cristo Crucificado e rezou o Ofício de Nossa Senhora. Jandi implorava ao povo presente, o perdão para a sua avó.

Um dos perseguidores aproximou-se de Cantofa, enterrando o punhal no peito da vítima. No momento do golpe do punhal, a indígena acabara de pronunciar a o trecho do Ofício de Nossa Senhora que rezava: ”Deus vos Salve. Relógio, que andando atrasado serviu de sinal’’. No dia seguinte foram dar sepultura a Luíza Cantofa não sendo mais encontrada a jovem Jandi; cujo destino ficou para sempre ignorado.

Segundo a tradição popular, o local da morte de Luíza Cantofa corresponde àquele local onde hoje existe a chamada Fonte da Índia distante cerca de 400 metros do centro da cidade de Portalegre. Afirma a tradição popular que, durante muitos anos, o lugar do falecimento da velha Luíza Cantofa ficou mal-assombrado. Algumas pessoas que dali se aproximavam, ouviam claramente uma voz a rezar o Ofício de Nossa Senhora. E assim, foram estes os últimos registros sobre os tapuias de Apodi (GUERRA, 1991, p.28-35).

Fonte: Apodi - Um Olhar em sua Diversidade - Cleudia Pacheco e J. Carlos Baumman