A saga dessas tradicionais famílias revela que a alma da terra passou para os seus componentes, mostrando-lhes que o bom combate com o meio envolvente desenvolveu-lhes a inteligência e a coragem que já lhes deixara como herança a raça, o cruzamento ancestral. Por amor às suas convicções de honestidade e à lealdade às hostes políticas da família PINTO frente aos destinos do município de Apodi num decurso de tempo mais que centenário, enfrentaram toda sorte de ameaças partidas de adversários componentes das hostes cangaceiras de Benedito Saldanha, Décio Holanda (Natural da serra do Pereiro-CE) e seu sogro Tilon Gurgel. Essas antigas e benfeitoras famílias é composta por pessoas de poucas palavras e de rebate em cima da fivela. Trazem consigo a solidão antiga do sangue camponês a correr em suas veias.

Numa retrospectiva histórica, encontramos a afirmativa de que o ano de 1925 foi um ano conturbado e perturbador para as dignas famílias TARGINO e BRUACA, que são objeto desse processo de resgate histórico. As atribulações e vexames vividos vincula-se aos seus estreitos e sinceros vínculos de fidedigna amizade à família PINTO. Predominava a harmonia e identidade, existentes graças aos esforços e às permanentes unidades de pensamento. Vivia-se um cenário de segurança à honra da palavra dada.

Por isso, um recado oral de componentes dessas indômitas famílias aos líderes políticos da família PINTO, em nome de seus patriarcas, imprimia um solene e imediato acatamento, respeito e confiança. Nas residências dessas famílias do rincão da Chapada do Apodi não passava o rastro deslustrador do coiteiro nem a sombra amedrontada do foragido. São honradas famílias forjadas no calor abrasador das matas nativas da outrora denominada "Serra da Picada", logo depois referida como sendo a famosa "Serra Pody dos Encantos" tão presentes nas concessões de Doações de Datas de Sesmarias, todas elas na medida de três léguas de comprimento por uma de largura. Foram/são homens e mulheres que, quando empenhavam/empenham a palavra, também empenham a honra. Neste ano de 1925 o cenário político Apodiense encontrava-se toldado pelas cizânias da malta da chibata e do açoite, fervente de ódios e cheio de premeditadas desforras, comandada pelo chefe de cangaceiros Benedito Saldanha.

No começo da tarde do dia 02 de Abril de 1925 a paz reinante naquele ermo sertão de Soledade foi quebrada com a chegada de uma malta de desordeiros composta por Benedito Saldanha, Décio Sebastião de Albuquerque, que é o mesmo Décio Holanda, genro de Tilon Gurgel, dono de um grupo composto por cerca de 50 jagunços, acoitados no então Brejo do Apodi, atual Felipe Guerra, Chico de Freitas, Epifânio Queiroz, Manoel Elias, Sebastião Paulo Ferreira Pinto e Luiz Felipe de Oliveira. O relógio marcava duas horas e meia da tarde. O grupo vinha em Cabala eleitoral - Se cabo eleitoral é o "indivíduo encarregado de obter votos para certo partido ou candidato",cabala eleitoral é o "conjunto de manejos postos em prática pelos cabos eleitorais no intuito de conseguir votos favoráveis". Só que a cabala eleitoral dessa malta era praticada mediante ameaças de surras e de açoites. Vejamos o depoimento de SIMÃO NOGUEIRA DA SILVA (O 2º deste nome e neto do 1º), casado com Maria Luíza, dado ao Capitão Jacinto Tavares, no dia 20.04.1925:

" Que tem 32 anos de idade, agricultor, casado, natural de Apodi, filho de Fortunato José da Costa. Que no dia 02 de Abril, cerca de duas horas e meia da tarde chegaram efetivamente à sua casa Benedito Dantas Saldanha, Décio Sebastião de Albuquerque, Manuel Elias de Lima, Sebastião Paulo Ferreira PInto, Epifânio José de Queiroz, Luiz Felipe e Francisco Gurgel de Freitas, os quais depois de ingressados em sua casa, Benedito Saldanha cabalou-o para votar no Partido Político chefiado pelos Coronéis Martiniano Queiroz Porto, Juvêncio Barreto e o Dr. João Dantas Sales, Juiz de Direito da Comarca. Que ele respondente não poder votar em tal Partido porquanto era eleitor espontâneo do partido chefiado pelo Coronel João Jázimo Pinto. Que Benedito Saldanha continuou insistindo. Que serviu cerveja aos cabaladores. Que depois da cerveja Décio saiu, indo à casa de um seu vizinho e ao voltar, como Benedito ainda insistisse na cabala e ele Simão não quisesse acceder, Décio exclamou: Não esteja articulando com esse cabrito ruim, e em seguida botou com as mãos nos peitos dele, encostando-o à parede.

Que ele Simão pediu-lhe que não fizesse aquilo, pois sua mulher estava na cama com doze dias de resguardo de um parto; Que Décio, sacando de um punhal disse que mataria até ao próprio filho recém-nascido de Simão; Que ele Simão valeu-se de Benedito Saldanha, pedindo-lhe que não o deixasse matar; Que Benedito acalmou os ânimos dos da sua comitiva; Que pelo que já tinha havido, ele Simão receando por sua própria existência prometera ficar neutro no próximo pleito de 02 de Setembro, mas, como agora se achava um como Delegado nesta cidade um Oficial mandado pelo governo para garantir a liberdade do cidadão, vinha dar a presente queixa afim de que fossem tomadas as providências e apurada a responsabilidade dos culpados, pois em consequência dessa agressão sofrida em sua própria casa, a sua esposa teve um forte ataque perdendo a fala e ficando muito doente, de forma a inspirar sérios cuidados.

Enquanto Benedito ficou na casa de Simão, o Décio Holanda foi à casa de João Bruaca pedir para o mesmo fazer com que o seu filho José votasse no Partido dos cabaladores, tendo João Bruaca respondido que o seu filho era afeiçoado ao partido do Coronel João Jázimo. Décio entrou a discutir com José, filho de João Bruaca, tendo o pai mandado que o filho de retirasse.

Nesse mesmo dia esse bando de sicários visitou a casa de José Fortunato da Costa, irmão de Simão. Essa malta fez essa cabala em todo o município, o que fez com que, mediante coação irresistível, o Sr. Sebastião Paulo fosse o Intendente mais votado, o que o alçou à condição de Presidente da Intendência, tendo o Coronel João Jázimo recorrido à justiça eleitoral do estado, que anulou os votos de Sebastião Paulo e determinou que desse posse ao segundo mais votado, que no caso foi o Coronel Francisco Ferreira Pinto. A vitória obtida na justiça eleitoral deu-se pelos depoimentos contidos nos processos-crimes em que foram vítimas Simão e seu irmão José Fortunato.

Por Marcos Pinto - historiador apodiense