Fonte: Jornal O Mossoroense de 15/09/2010
Foto: Caubí Torres
Nascido no município de Apodi onde permaneceu durante a infância, Dionízio Cosme Neto incorporou no decorrer da vida artística como sobrenome, o que dá nome a sua cidade natal. Ainda adolescente adotou Mossoró como lar. Com seus pais Dona Maria Antônia e Seu Luiz Cosme aprendeu a trabalhar muito cedo, no sentido literal da palavra. Atualmente, dirige e atua no Grupo de Teatro O Pessoal do Tarará, sendo um dos fundadores. Dionízio do Apodi considera-se mossoroense de coração, e tem consciência de sua importância para o cenário teatral da cidade. Iniciou no teatro em 1998, ano em que entrou para o curso de Ciências Sociais da UERN, sendo na Universidade, o seu primeiro contato com a arte dramática. Com a propriedade oriunda das andanças dentro e fora do RN, ele faz um diagnóstico da realidade que circunda a cultura popular no Estado.
por: Adneison Severiano
O MOSSOROENSE - Ao longo dos quase oito anos de existência do O Pessoal do Tarará, o grupo visitou várias cidades do Rio Grande do Norte, qual o diagnóstico o senhor faz da cultura potiguar?
Dionízio do Apodi - Hoje não sei precisar de cabeça a quantidade de municípios que visitamos, porque foram inúmeros. Também quero dizer que só hoje, com quase oito anos de fundação, sabemos o nosso real papel para os municípios menores de nosso Estado. E esta consciência passa pela nossa trajetória. Já fomos em todos os cantos e recantos de Mossoró, em muitas cidades do nosso Estado, em outros estados, em outras regiões, em muitos festivais, ganhamos prêmios, fizemos muitos espetáculos, nos apresentamos para muita gente e assistimos muita gente também. Não quero negar que alguns municípios cresceram muito, principalmente os mais próximos de Mossoró. Como Mossoró tem uma produção cultural bastante intensa, isso acaba influenciando os arredores. Mas tudo ainda é muito pouco. Não sou dono da verdade, mas a experiência pelos municípios, apresentando e ministrando oficinas, me dá autoridade para falar que, infelizmente, 90% das cidades do interior potiguar não têm quase que opção nenhuma para as novas gerações ingressarem em alguma atividade artística. É triste, é lamentável! Mas a realidade da maioria destas cidades é não ter perspectiva nenhuma de crescimento em todos os segmentos. Não é só o cultural. A cultura faz parte de um contexto que envolve economia, política e educação acima de tudo. Pode parecer arrogante isto que estou dizendo, mas hoje o nosso grupo anda muito preocupado e sentindo-se responsável para fazer alguma coisa, é por isso que queremos insistir neste debate: as cidades do interior do nosso Estado clamam por socorro.
OM - Como o senhor vê os atuais investimentos em cultura no RN?
DA - Hoje muita coisa está chegando aos municípios. Espetáculos circulam, as cidades assistem apresentações, mas é muito pouco ainda, porque nosso déficit cultural é grande. E não adianta ficar fantasiando, com palavras de efeito, etc., porque basta você chegar na maioria destas cidades num fim de semana e perguntar pelas opções e o que os jovens estão fazendo. Veja que em Caicó há um teatro estadual, há um Sesc que realiza programações culturais (levando artistas para lá), mas a produção cultural de Caicó é pequena. E para exemplificar sem que cidades não se sintam ofendidas, vou pegar minha cidade natal como exemplo. Apodi, infelizmente, não dá oportunidades culturais para os jovens de lá. A cidade tem muito potencial, mas é atrasada. Tem Casa de Cultura, mas ela por si só não alcançará grandes coisas, mesmo que haja uma programação intensa. Ao mesmo tempo Apodi tem um vizinho chamado Felipe Guerra, que tem um projeto fabuloso, que é o Abelhar, coordenado por Ducivan, e que atende dezenas de crianças, que começou embaixo de uma algaroba e hoje tem uma estrutura invejável. O projeto Abelhar nos deixa otimistas em relação a uma Felipe Guerra bem melhor no futuro. Mas casos como esses é exceção. Hoje nosso povo precisa de formação, e isso significa educação em todos os níveis. Põe Mozart para a maioria de nossas crianças escutarem e esperem para ver o que vem como resposta. Experimenta colocar uma tela de Modigliani para ver no que dá. As cidades do interior do Rio Grande do Norte são muito carentes. É preciso investir pesado em educação. E todo mundo precisa fazer parte disto: prefeituras, governo do estado, governo federal, universidades, escolas, instituições.
OM - Em Mossoró, os gestores públicos incentivam e fornecem subsídios tanto para a produção como para a execução dos projetos culturais?
DA - Mossoró é uma cidade privilegiada em muitos aspectos. Por termos um teatro como o Dix-Huit podemos ver peças de primeira linha em nossa própria cidade. É necessário falar no Corredor Cultural, que é algo cinematográfico, os grandes espetáculos, dentre tantas coisas. Dizer que não há um incentivo da Prefeitura Municipal de Mossoró é uma grande injustiça. Mas é necessário ouvir mais as pessoas que estão praticando esta arte no cotidiano. Nós tínhamos há alguns anos um projeto maravilhoso que era o Prêmio Fomento, que possibilitou inúmeras montagens de espetáculos de dança e teatro no município. Foram muitos mesmo. Gente, este Prêmio Fomento é algo de uma importância tão grandiosa como um Chuva de Bala ou o espetáculo da Liberdade. Mas ele acabou. Eu digo isso e sei que vai ter alguém que vai dizer que ele está voltando. Mas é que todo ano ele está voltando. E eu não duvido que ele volte, dentro de um fundo, através da Lei Vingt-un Rosado. Acredito que Clézia Barreto, gerente de Cultura, quer muito isso, porque sua companhia de dança já usufruiu bastante deste benefício. Professor Francisco Carlos (secretário da Cidadania) sempre foi um entusiasta do prêmio. Mas quero dizer que numa cultura onde a educação é atrasada, não podemos ficar criando sistemas que dificultem o acesso, e sim, que facilite. Com o Prêmio Fomento Mossoró era inovadora. Chegávamos em várias partes do país, falávamos que em nossa cidade existia aquilo e as pessoas tinham uma impressão muito boa. É verdade que os recursos eram poucos, mas crescia a cada ano. Eu fico imaginando se a política do Prêmio Fomento tivesse continuado, como ele teria melhorado e quantos espetáculos os grupos de Mossoró teriam montado. Contrastando com isso, quase nada se montou em Mossoró depois que o Prêmio Fomento acabou. Então, nisso tivemos um retrocesso. Quanto maior for a sensibilidade, mais fácil será a maneira dos artistas terem acesso aos recursos. É isso que faz hoje a Funarte e o Banco do Nordeste. Arte é educação, e educação precisa ser prioridade.
OM - Nas primeiras visitas aos municípios contemplados pelo Projeto BR-405, o que o senhor constatou?
DA - A primeira coisa é muito legal: o povo destas cidades adoram teatro. São verdadeiras festas, onde as cidades se preparam para assistir aos espetáculos. Mas ao mesmo tempo sempre voltamos para casa com muitas saudades, porque fazemos amigos, conhecemos pessoas que querem, e muitas vezes fazem um trabalho importante relacionado à arte nessas cidades. Mas acontece que muitas pessoas dessas ficam ilhadas, querendo fazer algo, mas sem saber como. É nisso que queremos entrar, e que este projeto BR-405 se fará importante. Nós queremos mesmo puxar uma discussão mais aberta e madura com a nossa sociedade, para entendermos as necessidades das cidades do interior. Acho que o BR-405 poderá provocar uma rede de cidades do interior, para que possamos deixar a arte mais próxima de todos. Ah, por outro lado, encontramos poucas, raras, opções culturais para as populações.
OM - Se fala muito em carência de investimentos na cultura, mas a população anseia por projetos culturais?
DA - Queria que as pessoas que não acreditam nisso pudessem passar por uma cidade dessas enquanto estamos apresentando. É lindo! É marcante! As pessoas merecem receber uma arte de qualidade, como se fosse água, saneamento básico. Precisamos tratar de educação como algo vital, tão importante quanto saúde. Porque a arte nos dá a capacidade de continuarmos sonhando. Plínio Marcos dizia que o artista sempre provoca as pessoas, e pega o cidadão no que ele guarda a sete chaves. É na alma, na sensibilidade das pessoas que a arte ataca e promove mudanças.
OM - Na opinião do senhor, está havendo mudança na mentalidade dos jovens mossorenses, principalmente em relação ao engajamento cultural?
DA - Eu acho que alguém que passa sexta-feira e sábado à noite pelo Memorial da Resistência e para, pelo menos algum instante, para ver a programação de recitais e dança não sai ileso. Alguma coisa fica: uma graça, um espanto. Há algo que é plantado e que vai acontecendo aos poucos. Mossoró, ainda bem que tem essa possibilidade. É isso que digo que a maior parte das cidades do interior não tem. Você sai na sexta e no sábado e só encontra mesa de bar e paredão de som. Em Mossoró, os jovens têm mais possibilidades. Olhe que o Teatro Dix-huit tem espetáculos quase que diariamente. Aqui em nossa cidade temos vários pontos de cultura, mas vou citar o nosso, d´O Pessoal do Tarará e da Companhia Escarcéu. Fazemos um trabalho de democratização da arte na comunidade da Baixinha, e a Escarcéu faz um trabalho parecido no Alto da Conceição. Isto nos dá esperança de que teremos uma cidade melhor. Teremos uma cidade melhor, não tenho dúvidas. Mas para dizer que não falei só de flores, há equívocos na maneira de apresentar a arte. Veja que a maior parte dos órgãos públicos que tratam com projeto-escola fazem simplesmente para ter números, sem uma preparação, algo que eduque a criança, o adolescente, o jovem para assistir uma peça de teatro, uma dança, uma orquestra sinfônica (até isso hoje chega a Mossoró. É lindo!). Hoje precisamos educar as pessoas para assistir arte. As pessoas precisam desligar celular, não conversar durante espetáculo, aplaudir, rir, chorar. Infelizmente, ainda não chegamos a este nível.
OM - Recentemente O Pessoal do Tarará colheu mais um fruto, entre mais de 300 espetáculos de todo o Brasil, a peça A Peleja do Amor no Coração de Severino de Mossoró foi selecionada para uma série de sete apresentações na décima sétima edição do Floripa Teatro, mais importante festival de teatro de Santa Catarina, que acontece período de 10 a 19 deste mês em Florianópolis. Qual a expectativa do grupo em levar a arte mossoroense para região Sul do país?
DA - Abrir caminhos, ser visto, aumentarmos a nossa rede de colaboradores. Festival serve para isso. Não dá para vivermos no mundo, sozinhos, achando que sabemos tudo. Hoje, o grande papel dos festivais é aproximar os fazedores de teatro para que troquem experiências. O festival se constitui num grande exercício de generosidade. E especialmente este festival nos enche de expectativa porque pela primeira vez apresentaremos em Santa Catarina. As notícias que sempre nos chegam é de que é um estado diferenciado quanto à educação. Então nós queremos conhecer outros grupos, o que fazem, porque isso acaba revolucionando o nosso fazer também. No ano passado nós fizemos um intercâmbio com o grupo Nós do Morro, do Rio de Janeiro, e aquela experiência deixou marcas profundas no grupo, positivamente. Outra experiência marcante foi com o projeto Abelhar, de Felipe Guerra, há algumas semanas. Então, quando vamos para um festival desses, sempre oriento os meus atores para irem de coração aberto, com espírito generoso. Ah, mas também nunca vamos de coitadinhos, não. Tipo, lá vem os “bixinnho do Nordeste”. Vamos de coração aberto, mas de igual para igual com todo mundo. Não olhamos ninguém de cima, com arrogância, mas também não olhamos de baixo, não. Somos um grupo consciente de seu papel artístico e social.