Chega um momento na vida de um homem em que ele deve se desprender de tudo que não o faz bem. Todas aquelas histórias antigas da aventura amorosa humana, as fantásticas narrativas de povos em terras distantes e tudo o mais... Nada disso jamais existiu. Somos irremediavelmente bombardeados por mentiras e estórias terrivelmente mal contadas.

A vida nada mais é do que uma sucessão de acontecimentos passageiros. Não, não estou aqui escrevendo um manual sobre como o homem deve viver sua vida aqui na Terra. Menos ainda, estaria eu querendo insinuar que devemos encurtar nossa existência por aqui. Não seria tolo ao ponto de deixar que minhas vontades passageiras me aterrorizassem assim, tão debilmente, a ponto de me fazer cortejar a ideia de tirar minha própria vida... Ou desistir dela. Gostaria mais uma vez, mas, de fato, não quero...

Dancei com a morte uma vez e aprendi, da pior maneira possível, que não se deve fazer isso. Nunca... Não quero convencer ninguém a ler ou ouvir falar desse acontecimento macabro ímpar que cuspo (ou vomito) agora nessas folhas melancólicas e deploráveis. Fui feliz uma vez e disso tenho certeza, mas foi só! À meia noite, tudo se foi: as flores, o perfume, as fotos, as cartas... Só restaram-me a escuridão, o medo e a preguiça. Preguiça de começar de novo. Já não tinha mais forças para tanto.

Tenho duas pernas, mas recuso-me a andar, tenho dois olhos, mas recuso-me a enxergar. Seria tão mais fácil se eu tivesse o real controle das minhas emoções, se eu soubesse lidar com os mascarados... Sim, eles não passam de fantasias; personagens que usam e abusam de suas mascaras. Vidas deploráveis e cheias de nada. Fantasmas! Um vazio que nunca se preenche. Vidas mentirosas de pessoas que não aceitam o fim inevitável. Acéfalos, imbecis, solitários e dementes. Assim, vejo o mundo, as pessoas. Não tenho pudor ao descrever a miséria humana, pois acordei, mesmo sem querer acordar, para relatar o que já vivi nesse mundo.

Estava eu naquele leito do hospital da Rua 12 (não sei se, de fato, esse era o número correto). Já não sentia dores nem angustias. Já ouvira todos os sussurros e lamentações daquelas almas que iam, uma a uma, fazendo sua passagem para outro mundo. Mentia para mim mesmo diversas vezes dizendo, em voz quase sem força, que eu tinha o controle da situação. Não, eu nunca tive. Na verdade, nem lembro como tinha ido parar naquela cama suja de hospital.

Como sempre fui muito mais dotado intelectualmente do que meus pares, eu arrumava um jeito de saber o que estava acontecendo ao meu redor. Triste do homem que não sabe discernir o real do imaginário. Eu sabia como proceder para entender tudo que se passava ao redor daquele quarto frio e sombrio.

Esperei com uma paciência helênica a enfermeira adentrar aquele cômodo. Sim, é melhor investir na fragilidade das mulheres, elas adoram falar. Falam tanto que dizem até aquilo que nunca aconteceu. Fantasiam tanto que fica fácil arrancar-lhes qualquer informação, desde que você invista em seu estado emocional. São traidores de si mesmas!

Pedi para a enfermeira me avisar o que estava acontecendo comigo: quando eu iria poder voltar para casa e gozar da minha saúde imbatível, inabalável.

A conversa não foi longa, pois ela parecia perturbada e não queria correr o risco de revelar algo. Foi então, fazendo uso da minha inteligência mencionada outrora, que deduzi que não arrancaria nada dela. Pedi que me desse um sinal por meio de cores: se ela trouxesse algo de cor verde, significaria que eu poderia ir embora em breve. Se trouxesse algo de cor amarela, significaria que eu ainda deveria passar mais tempo naquele hospital e que minha saúde realmente exigia cuidados. Mas, no final das contas era uma possibilidade, se ela me trouxesse algum objeto, qualquer que fosse, na cor vermelha, isso significaria que minha existência tinha chegado perto do fim.

Por horas observei cada sinal, cada detalhe – eu era bom nisso! Nada... Mais uma vez, nada me revelaria meu verdadeiro estado. As horas teimavam em passar devagar e a cada momento, mais angustia por saber como eu estava: vivo, quase morto, saúde piorando ou melhorando? Nada sabia.

Senti meu corpo amolecer e meus olhos ficarem cada vez mais pesados. Era o sono que tomava conta do meu corpo. Olhei para o lado e nada parecia claro. Estava ficando cada vez mais escuro naquele quarto gélido. Virei de lado e vi um livro de capa preta apenas com o título escrito em cores douradas. Não era um livro qualquer; era o livro AS FLORES DO MAL de Charles Baudelaire, grande poeta francês. Abri e vi que estava marcado. Não lembro o número da página, minha visão estava cada vez mais fraca.

Li as primeiras linhas de um poema que, salvo engano, dizia: Nós teremos leitos de rosas ligeiras, / e divãs profundos como campa ou mar, / e flores estranhas, sobre prateleiras / sob os céus formosos a desabrochar... Parei de ler imediatamente ao ver o que estava marcando aquele poema: Eram pétalas de rosas vermelhas murchas, sem vida, completamente mortas. O relógio marcava, precisamente, meia noite. Parei, olhei ao meu redor e reconheci, sentados ao lado da cama, os outros pacientes que já haviam partido horas, dias, semanas ou meses antes. Entendi, fazendo mais uma vez uso da minha percepção, de que as cores não importavam, eu já estava morto! 

Conto de Bruno Coriolano