Saga de verdadeiro genocídio, em que a indiada tapuia paiacu bramiu o arco, a borduna e o tacape contra a pólvora e o aço viril do elemento branco, usurpador dos territórios por eles ocupado há séculos. No começo, leis patriarcais davam como legado de honra aos fidalgos colonizadores o sacrifício da liberdade nativa. O silvícola era o homem "res", ou o espécime de evoluído primata.
Na visão do povoador, o indígena nada possuía de humano, a não ser a conformação física de membros ou a expressão rudimentar da palavra. Daí, a origem do entrevero entre o Padre Philipe Bourel e os curraleiros, que não respeitavam os princípios cristãos empregados como fator de catequização. Na concepção tacanha e autoritária da gente branca, o índio podia ser trocado ou vendido; podia ser negociado como um simples animal, cujo valor estaria condicionado à sua capacidade de produzir.
Podia ser morto ao talante do senhor que o detinha sob sua posse, sem que para isso houvesse a mediação da justiça. Essa situação aos poucos se modificou. De sofrido a indignado o índio passou a inconformado e rebelde, o que desencadeou violenta reação sob forma de vindita, culminando nos grandes embates verificados nas margens da lagoa do Apodi, no ano de 1698, e na violenta refrega ocorrida na margem da lagoa do "Apanha-Peixe", em que tombaram mortos os irmãos JOÃO NOGUEIRA e BALTHAZAR NOGUEIRA, fato histórico conflagrado no dia 17 de novembro de 1688.
Estes mesmos índios foram conduzidos no dia 12 de junho de 1761, sob forte escolta militar comandada pelo Dr. Miguel Carlos de Pina Castelo Branco, então Juiz de fora de Olinda-PE, para serem aldeados na então Serra dos Dormentes, depois denominada de Serra de Portalegre, por este Juiz. Em 1822, essa mesma indiada revoltou-se e desencadeou violenta correria que terminou com várias mortes de expressivas figuras militares da serra de Portalegre. Em todos estes embates, resta configurado que a nação indígena fugia aos rigores do baraço, escondendo-se nas brenhas e nos socavões inacessíveis da serra. Sobrevivia ou sucumbia atropelado pelas perseguições, ou castigado pelas enfermidades.
Restava a notícia, a informação a correr de grupo em grupo, a denunciar o flagelo branco. Morrer, então, debaixo do cutelo escravizante ou morrer premido pelo rigor das matas, nenhuma diferença fazia em termos de extermínio. Em 1637 tivemos a revolta dos nativos do Ceará, que mantinham estreitos vínculos de amizade e parentesco com os tapuias paiacus do Apodi. Revoltaram-se contra os portugueses e aliaram-se aos invasores holandeses, entregando-lhes nos pulsos as algemas da espoliação.
Nos primeiros momentos do expurgo, favorecidos pelo despreparo da comunidade indígena, o poderio branco funcionou como se fosse um rolo compressor, esmagando e aplainando os espaços onde deveria se fixar a nossa civilização. O índio então resistiu. Primeiro, isoladamente, e depois sob a égide de uma fortificada aliança com os índios do Assú e do Ceará, passando a espalhar o terror, sem reservas de preferências e em limitações de ódio.
Em 1686, ou porque se subestimasse o poderio indígena, concentrado nas regiões do baixo Jaguaribe, com reflexo nas ribeiras do Assú e Apodi, ou porque o receio da invasão à sede da Capitania riograndense tinha impulsos de violência, decidiu o Capitão-Mór do Rio Grande a fazer guerra contra os tapuias paiacus que habitavam a ribeira do Assú. No cometimento dessa expressão de força residiu a explosão do grande conflito. Partiu o Capitão Soares de Abreu em busca da região indicada, levando consigo um contingente de 120 ordenanças e índios da aldeia do Camarão (Natal). Chega ao ponto predeterminado.
Flanqueia a Ribeira do Assú, tentando com essa estratégia alcançar os sucessos imaginados, porém, nada encontra além da desoladora exposição de terror. Tudo estava devorado pelo fogo. Somente ossadas humanas tinha subsistido à fúria selvagem. SOARES mandou dar sepultura às ossadas e prosseguiu em busca do Apodi, onde a fortaleza selvagem tinha instaladas suas bases hostís. Em Apodi travou-se fragorosa luta durante a qual se escoou um período de quatro meses, apresentando contra os nativos apenas baixas que não correspondiam as ataques.
Soares de Abreu é substituído por Manuel da Silva Vieira, e a situação se modifica em favor do gentio indígena, que após infligir-lhe fragorosa derrota, obrigou-o a refugiar-se nos esteios da Casa Forte.
FONTE: "A GUERRA NOS PALMARES" - Ernesto Enes - Coleção Brasiliana.
Texto de Marcos Pinto - historiador apodiense
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