Cangaço em Apodi - Um relatório oficial (inédito) de suma importância histórica (II)


Ao receber o despacho exarado pelo Diretor, datado de 20 setembro de 1928,, logo no dia seguinte o Capitão Jacinto datilografou o seguinte documento, que hoje faz parte do acervo do Arquivo Público Estadual: 
" DEPARTAMENTO DA SEGURANÇA PÚBLICA.
                                                                                                             
                                                               INFORMAÇÃO.  

                                Ao  Exmo. Sr. Dr. Diretor  Geral  da  Segurança  Pública. 

Cumprindo o despacho de V. Excia, exarado na petição de Tilon Gurgel, que a esta acompanha, tenho a dizer que é em parte inexata a narrativa do facto dela constante, como passo a expor. 

Permita-me, porém, V. Exa, ligeira digressão sobre antecedentes: Ao ser nomeado para o cargo de Delegado Especial de Polícia em Apodi, disse-me o Exmo. Dr. Governador confiar-me a missão mais árdua da polícia, no interior, pois se tratava de extirpar o cangaceirismo que ali se estava implantando. 

De fato, chegando ao Apodi, encontrei a população alarmada com as ocorrências delituosas que se vinham sucedendo, praticadas por um grupo de maus indivíduos chefiados por Benedito Saldanha e Décio Sebastião de Albuquerque, vulgo Décio Holanda, genro e amigo de Tilon, que por meio do cangaço esperava ser um dos chefes políticos do Apodi. Verifiquei ser a residência do Tilon, em Pedra de Abelhas, um dos antros onde se reuniam os bandoleiros para combinar, com o placet deste, as desordens que deviam cometer. 

Assim, após múltiplas peripécias, em que Tilon, seu genro Décio e apaniguados tudo fizeram para amesquinhar as autoridades e o governo, achava-me naquela cidade, quando, na noite de 26 de  dezembro de 1925, compareceram à Delegacia Especial dois indivíduos armados de rifles e apresentaram-me Manuel Delfino, preso à ordem de Tilon Gurgel que mandara trazê-lo ao Dr. Juiz de Direito e ante a ausência deste foram entregá-lo ao delegado. Interrogados, declararam em presença de diversas pessoas que Manuel Delfino nenhum crime ou desordem cometera: Que Tilon lhes dera os rifles municiados, que traziam, e mandar prender a Manuel Delfino e que, chegando à casa deste, encontraram-no calmo, no convívio dos seus, ficando surpreso ao receber a ordem de prisão. 

Efetivamente nada autorizava esse fato. Não era possível homologasse a polícia atos abusivos de quem quer que fosse, menos ainda de quem notoriamente se conhecia como fomentador de ataques de cangaceiros e procurava sobrepor-se pelas armas, às autoridades constituídas, das quais assim menoscabava, aparentando interesse na repressão a um delito imaginário. 

Evidenciado o fato, a improcedência da prisão, não tive dúvidas como autoridade, em desarmar aqueles indivíduos portadores de armas proibidas, e, assim, contraventores do disposto no artigo 377 do Cód. Pen. da República.  Feita a apreensão e lavrado o termo respectivo, remeti-os a autoridade judiciária local, para os fins de direito. Algum tempo depois, fiz entrega à Repartição Central da Polícia, nesta capital, das mencionadas armas, o que, de certo, constará do livro competente, salvo equívoco, no mês de junho de 1926. 

É o que me cumpre informar a V. Excia. Julgo, entretanto, conveniente, acrescentar que dias depois, fazia-se notório em Apodi, que a indébita prisão de Manuel Delfino se fizera porque procurava mudar-se da propriedade do seu acusador, Tilon Gurgel, por tentar este seduzir pessoa de sua família, em cuja defesa resolvera tomar essa atitude, reveladora de dignidade e de prudência. 

Como vê V. Excia, nenhum fundamento tem a pretensão do requerente, cujas informações não correspondem a verdade dos factos.

                                          Natal,  21  de  Setembro  de  1928. 

                                               Jacinto  Tavares  Ferreira.

                                                Capitão  -  Polícia  Militar.". 


Por Marcos Pinto - historiador apodiense
Matéria copiada do: Blog Potyline