Tempo bom era aquele que se foi,
quando era usado o lampião d vidro grosso,
tempo dos comboios e dos carros de boi,
de brinquedos de talo, chifre e osso.

Tempo de vintém, tempo de taca,
do tostão, do cruzado e do mil réis,
tempo de leite bom, leite de vaca,
e ao leite de máquina e de papéis.

Tempo das pílulas de jalapinhão,
e das receitas aviadas na botica,
de água-ardente alemã, pra congestão,
tempo de milho verde, tempo de canjica.

Tempo bom do antinevrálgico Rosado,
anterior à chegada da penicilina,
e, dos chãs de ervas, para bucho inchado,
das pílulas de Rosa e da Aspirina.

Era um tempo de apragatas de lapada,
de brinquedos de talo de carrapateira,
e, de feira semanal bem abastada,
tempo de saúde, tempo de parteira.

Foi um tempo de sangria e sinapismo,
de pião, de sanguessuga e de gamela,
de cabaça, de coité e de lirismo,
de ceroulas, chás de alho e de marcela.

Tempo de jiraus para guardar os queijos
e de girândolas, com bomba e foguetões,
época de namoros sem abraços ou beijos,
tempo de amores, duráveis sem questões.

Tempo de bola de meie e da peteca
e, da água de cheiro e laranjinha,
tempo em que as mães arranjavam boneca,
no qual toda pessoa tinha uma casinha.

Foi um tempo de aguardente de verdade,
tempo de cavalo, de boi e de curral,
de sapatos de pano e de felicidade,
de bocas com dentes, bons, no natural.

Tempo de Amazonas. Tempo de borracha.
Tempo de baú, de couro e de madeira,
tempo de alfenin, de beiju e bolacha,
de cajá, cajarana e de tamarineira.

Foi um tempo de cacimbas de água boa.
Água limpa, água pura e cristalina,
tempo de aluá, de sequilho, bolo e broa,
de traques, buscapé e tinta de anilina.

Tempo bom da Taboada de Trajano,
das Páginas Infantis e do Asa-Ema,
tempo ruim para quem entrasse pelo cano,
para quem a palmatória era problema.

Tempo de lavagem de roupa na barrela
o, de trempes de ferro pra cozinha,
tempo de casa com uma porta e uma janela,
com oratório, alcova ou camarinha.

Tempo bom, do querosene Jacaré,
de balaio, caçuá, saco e surrão,
de cachaça e rapadura do Baturité
e de serestas com ganzá e violão.

Era um tempo de almoço às nove da manhã
e de alvorada com música e foguetão,
tempo de ema, seriema, Tetê e acauã,
de jaçanã, andorinha, urubu e gavião.

Foi um tempo de facão, foice e machado,
sem rádio, telefone e luz elétrica,
tempo em que nada faltava no mercado,
tempo de burrinha, boitatá e perereca.

Difícil tempo o do automóvel e do avião,
este tempo dos ônibus coletivos,
água encanada, luz, gás de fogão,
no qual a vida passa sem motivos.

Flagrantes das Várzeas do Apodi - José Leite(Separata de Pré-Lançamento)